Vaquejada o esporte nordestino

Um canto amargo, saudoso, que viaja no vento e atravessa o coração como uma flecha. É assim o aboio do vaqueiro tangendo o gado no meio do mato, em qualquer região do nordeste. Esse canto conta histórias e lendas. É um relato real de aventuras e do trabalho na lida de todos os dias nas fazendas em todos os estados da região. A mesma lida que provavelmente fez surgir o mais viril e vibrante esporte do homem do campo: a Vaquejada. A prática é tipicamente nordestina. Pode-se até dizer que foi um trabalho que virou diversão. Os relatos mais antigos registram que começou a surgir por volta dos anos 40 quando os vaqueiros faziam demonstrações públicas de suas habilidades com o trabalho de manejo do gado.

Nas fazendas de antigamente, o gado era criado solto em capoeiras e caatingas. A cada temporada ou fim de estação, os fazendeiros organizavam o que eles chamavam de “pega de boi”. Uma festa onde se reuniam todos os vaqueiros da região para pegar o gado que vivia na solta e que seria marcado a ferro, castrado e conduzido para áreas onde os pastos existissem em maior abundância. Essa tarefa era difícil. Os animais viviam em áreas de mato fechado, cheias de espinhos e galhos secos. O exercício de capturar o boi no mato exigia do vaqueiro extrema perícia e coragem.

O trabalho que exigia perícia acabou criando heróis e muitas lendas entre os homens rudes do campo. Os melhores e mais corajosos eram reverenciados como ícones. A “pega do boi” começou a ganhar nova roupagem e sair do meio do mato para chegar às cidades onde ganhou platéia e seguidores. Em vez de correr no meio do mato os vaqueiros passaram a correr em pistas delimitadas. Um curral, um brete, uma porteira estreita conhecida como mourão e uma faixa de terra com cercas paralelas e areia fofa para facilitar a vida de cavaleiros e animais. No início vencia quem derrubasse o boi, puxando pelo rabo, mais próximos do jiqui. Atualmente, é mais elegante. A dupla de vaqueiros corre por uma extensão de 110 metros e derruba o boi numa faixa demarcada por linhas paralelas feitas de cal. Além disso, as pistas ganharam infra-estrutura de bares, restaurantes e locais para realização de shows.


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Momento da derrubada do boi na faixa. A dupla conduziu a corrida pelos 110 metros da pista
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Visão frontal de uma pista oficial de vaquejada


A festa ganhou tanta importância que foram criados torneios regionais e estaduais. Em Pernambuco, por exemplo, o Circuito de Vaquejada está realizando agora o décimo ano do Circuito Pernambucano de Vaquejadas. Uma competição disputada em nove etapas, com a presença de vaqueiros que chegam de todos os recantos do país. A empolgação com a vaquejada é tanta que em cada festa podem ser reunidas mais de 600 duplas de vaqueiros que disputas prêmios valiosos em dinheiro e em bens como carros e motos.
O mais interessante, no entanto, é o poder de gerar negócios que a vaquejada conseguiu promover, atualmente. Só em Pernambuco, o Circuito de Vaquejada gera uma média de 270 empregos diretos em cada etapa, o que faz um total de 2.700 empregos em todo o período da competição. Se forem considerados os números gerados pela montagem de estruturas, bandas, bares e restaurantes esse número pode subir para mais de 3.400 empregos diretos.

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As barracas estão sempre instaladas nos parques onde ocorrem as festas. Negócios e renda para quem está ligado ao setor rural.

Para falar em dinheiro, o cálculo é difícil, mas pode-se prever que a vaquejada movimenta, entre premiação e atividades ligadas ao evento, cerca de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) por etapa e em torno de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) durante todo o período em que a festa é realizada.
E não se pode dizer que não é uma festa popular. Em cada etapa chega a receber cerca de 30 mil pessoas para assistirem as corridas, os shows e aproveitarem melhor o ambiente de feira criado no entorno dos Parques. Segundo o cálculo dos organizadores do Circuito Pernambucano são consumidos em cada vaquejada 12.000 litros de cerveja;5.240 litros de refrigerantes e mais de 3.000 litros de água mineral. Esses dados podem variar de estado para estado.

A COMPETIÇÃO NA VAQUEJADA

Na vaquejada a competição é feita por duplas e cada vaqueiro tem um papel bem definido: um deles é o puxador, aquele que derruba o boi pelo rabo. O outro é o esteira, o que dá apoio ao puxador, não deixa que o boi saia do trilho da corrida e orienta a hora da derrubada para que a dupla possa conquistar pontos ao derrubar o boi dentro da faixa.

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Valeu o boi. Uma queda perfeita e dentro da faixa de 10 metros


São seis bois, destacados para cada dupla inscrita. No primeiro dia, os três bois corridos por cada duplo, valem, respectivamente, 08, 09 e 10 pontos. No segundo dia, são corridos os de 11, 12 e 13 pontos. A disputa de prêmios, acontece apenas entre os que conseguiram atingir 63 pontos, com um boi para cada, em sistema de eliminação. A pista de corrida tem uma camada de areia de 40 cm o que favorece a impacto da queda dos bois e da corrida dos cavalos.

Se o vaqueiro tem importância, os cavalos são disputados a peso de ouro, quando bem treinados e desempenham com perfeição o trabalho na pista. Há casos em que os melhores cavalos são vendidos por até R$ 200 mil reais. Outros, segundo os proprietários, não têm preço. Por isso merecem cuidados especiais. São tratados com alimentação especial, rações balanceadas, suplementos alimentares a açúcar. Viajam em carretas caras e são ornados com arreios da melhor qualidade. E é justamente esse um outro ponto importante para quem corre vaquejada porque são os arreios que garantem a segurança do cavaleiro. Em função disso todo o equipamento é reforçado e exige um acabamento perfeito, em rédeas, cilhas e sobrecilhas, bem como sela e estribos. Em Pernambuco, os melhores arreios para vaquejada podem se encontrados na cidade de Cachoeirinha, no agreste do Estado.


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A cabeçada auxilia na condução do cavalo. As rédeas devem ser forte e os ferros ou cortadeira firmes para que o animal atenda o manejo do vaqueiro.

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A sela é simples mas resistente. Os estribos ficam livres, sem perneiras, o que dará mais mobilidade para o vaqueiro. O animal pronto para correr vaquejada é SHENA DOLL DOCTOR,Paint Horse do Haras Cherokee.

A PAIXÃO DE PAI PARA FILHO

Há vinte, trinta anos, era difícil encontrar um corredor de vaquejada que não fosse realmente vaqueiro de profissão. Aquele que morava no meio do mato e acordava todos os dias cedo, ainda na madrugada, para cuidar do gado. Quando não era assim, era o próprio fazendeiro que participava das festas de vaquejada formando dupla com o vaqueiro da fazenda.

Hoje, pode-se constatar claramente que não há mais limites para quem participa das competições. Encontra-se jovens urbanos, médicos, engenheiros, jornalistas, enfim, todos os segmentos sociais aparecem envolvidos neste, que consideram uma paixão inexplicável. Uma paixão, que para alguns passa de pai para filho. No agreste de Pernambuco a família Branco tem história. O pai Lula Branco fez a primeira vaquejada de Garanhuns e passou para os nove filhos a mania de correr vaquejada. Um deles, o filho mais velho, Evandro, foi considerado um dos melhores e mais conhecidos vaqueiros do nordeste, na década de sessenta. E essa fama, conquistou correndo vaquejada num pequenino cavalo preto, chamado Pecado, e que se transformou num ícone.


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Uma foto do arquivo pessoal do Dr. Joaquim Branco. Do lado esquerdo, puxando o boi, Evandro Branco montando o famoso cavalo Pecado. Um pequeno gigante nas festas de morão do nordeste. E o vaqueiro que faz a esteira é Lula Branco, um dos primeiros a promover festas de vaquejada em Pernambuco, montando Baiano. Observe os detalhes do ambiente. A pista rústica e onde o público acompanhava a corrida.

O filho mais novo de Lula virou doutor. Hoje o Dr. Joaquim Branco, se diz um vaqueiro que estudou. Foi o único dos nove irmãos que veio para o Recife, onde se formou em medicina. Passou 25 anos sem correr vaquejada. Consolidou a vida e voltou para as pistas. É médico cirurgião e para proteger a mão que opera, só corre vaquejada puxando de esquerda. Atualmente é um dos coordenadores do Circuito Pernambucano de Vaquejada e já tem como companheiros de vaquejada os dois filhos, Leonardo, de 23 anos e Bruno, de 22.

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Os dois filhos do Dr. Joaquim, Leonardo e Bruno

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Dr. Joaquim Branco fazendo esteira para o filho Leonardo. Observe a elegância da dupla e dos cavalos para uma corrida perfeita.


Quando o Dr. Joaquim fala sobre o significado de correr vaquejada se emociona. Criou uma imagem curiosa sobre o esporte. Diz que vaquejada é um esporte onde “um animal racional, montado num animal irracional, tenta vencer a força e a velocidade de outro animal irracional mais forte e poderoso, que é o boi. Ao derrubá-lo na pista, temos a sensação de ter vencido uma barreira intransponível. Mas aqui, vale uma ressalva, essa peleja se dá dentro de limites onde há regras para que se reduza ao máximo o sofrimento de todos os animais envolvidos”, afirma Dr. Joaquim Branco. Com esse espírito, o vaqueiro-médico tem um título raro: é o primeiro campeão mundial Master de Vaquejada. Título conquistado em 2003, numa festa em Itapebussu, no Ceará.



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Dr. Joaquim Branco, primeiro Campeão Mundial Master de Vaquejada luta para derrubar o boi na faixa


Quem prova do sabor e da adrenalina da vaquejada não consegue se livrar mais. Lila Amaral, hoje tem 74 anos. Correu vaquejada em Pernambuco e em Alagoas por mais de cinqüenta anos. Começou a se interessar pelas festas de boi, correndo na caatinga, na fazenda Joeiras, em Bom Conselho. Com a idade que tem, se aposentou do ato de montar e correr, mas não abriu mão do prazer de ver e participar da festa como espectador atuante. Diz de coração aberto que “sinto o mesmo prazer de correr, apenas vendo os meus cavalos disputando uma vaquejada”. “Seu” Lila tem seis cavalos e se diverte vendo os seus empregados competindo.


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"Seu" Lila se aposentou das vaquejadas mas adora ver os seus cavalos correndo.


A paixão pelo exporte envolve também muitos jovens urbanos, que nasceram e vivem ainda hoje na cidade. É o caso de Bruno Muniz, 23 anos, estudante de administração de empresas. Sempre viveu na cidade, ia no campo apenas para acompanhar o pai e usava cavalos apenas como passeio. Viu algumas festas de vaquejada e se entusiasmou. Há seis anos montou uma equipe para participar do esporte. Hoje tem cavalos treinados, uma pista particular para treinamento, um caminhão montado especialmente para viagem com os vaqueiros. Durante a semana, enquanto trabalha no Hospital da família, conta os dias para chegar a hora das folgas quando aproveita para treinar e exercitar as funções de puxador e esteireiro de vaquejada. Bruno garante que pratica o esporte por prazer, porque com certeza gasta muito mais do que poderia ganhar com as festas.
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Bruno Muniz, o terceiro da esquerda para a direita e os amigos Edson Vaqueiro e Rani Monteiro.

ABOIOS E TOADAS

A tradição da vaquejada mostra que além de bons vaqueiros sempre revela grandes poetas e aboiadores. E o aboio é uma marca registrada do nordestino do campo, dos grotões, das caatingas. Uma dupla que ficou muito conhecida nos anos sessenta foi a formada por Vavá Machado e Marcolino. É da dupla o aboio em homenagem a um dos parques de vaquejada mais conhecidos e reverenciados de Alagoas: o Parque São José. E a dupla contou assim a história do lugar:

ÊÊÊiaouou....
Saudade...ou, ou boi, vida de gado...

Esse Parque São José
Transformou nosso sertão
Vaqueiros velhos ativos
Hoje uns mortos outros vivos
Deixaram um dispositivo
Nesta festa de Mourão

Zé Mendes dono da festa
Fazia a reunião
Lula Branco era chamado
o papa-figo do gado
e Evandro Branco em Pecado
Causava admiração

João Bezerra em Namorado
Remi Maia em Gavião
Zé Tenório em Assaré e
Ari Maia em Buscapé na
Fazenda Riachão

O tempo é que encarrega de fazer
transformação
Quando Ari Maia morreu
Zé Mendes estristeceu
e o Parque São José viveu
Nas trevas da solidão

Hoje o parque São José
transforma nosso Sertão
Porque São José hoje em dia
pertence a José Maria, Maracanã
da folia do corredor de Mourão

Recordação do passado, abalando o coração
Aqui nasceu,
aqui cresceu,
correu Boi, dançou, bebeu
Ari Tenório Maia morreu,
Mais deixou recordações

Ao me lembrar do passado
Não abandono o mourão, disse o
Dr. Frederico, aqui Ari Maia
Eu morro e fico e deixo o
esporte mais rico,
que existe na Nação

Aqui termina a toada
Se eu cansei peço perdão
Arivaldo Maia se distrai
puxa boi, derruba e cai
substituindo o seu pai
na Princesa do Sertão
ÔÔ e ÔÔrou...
Gado Manso

Outro aboio muito conhecido e que já ganhou domínio popular é um refrão comum nas festas do interior de Pernambuco e diz assim:

Ô mamãe ô que calor, ô mamãe ô que calor, ô mamãe ô que calor, calor, calor da vaquejada.....

Quem já viu ou participou de uma festa de vaquejada testemunha sem duvidar: a brincadeira, como chamam
os vaqueiros, é irresistível.

Fotos:
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Currais do gado que participa da festa. 

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Cabine de locução. Ali ficam o narrador da vaquejada e o responsável pela marcação dos pontos feitos pelas duplas.
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Detalhe da luva do corredor de vaquejada. A unha de galo, como as vezes é chamada, serve como amarração para o rabo do boi não deslizar na mão.
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Momento de perícia do vaqueiro. Observe que o puxador está totalmente do lado do cavalo.
UM FLAGRANTE ESPETACULAR
A queda do vaqueiro
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Os arreios à venda nas barracas espalhadas pelo parque onde se realiza a vaquejada
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Mais uma barraca que oferta selas, mantas e chapéus para cavalos e cavaleiros
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O caminhão adaptado para dar conforto aos animais. Esse caminhão é da Fazenda Poço das Pedras, de Bruno Muniz.
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O toldo é puxado e dá sombra para os animais. Aqui eles são alimentados e escovados 
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Uma visão de como é a vaquejada hoje. A participação de homens e mulheres de todas as idad
FONTE:: http://vaqueijada2010ba.blogspot.com.br

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